domingo, 17 de fevereiro de 2013

COMÉDIA DA VIDA ALHEIRA


Karine Tavares - O Globo - 03/02/2013
RIO — O galo cantava, mas como não tinha noção da hora, escolhia o meio da madrugada e irritava toda a vizinhança. A tal ponto que, quando a reclamação chegou ao Fórum de Paracambi, a juíza se declarou suspeita para julgar o caso: ela mesma perdia o sono por conta do galináceo e, como escreveu no despacho, se pudesse já o teria transformado em canja. O caso envolvendo uma juíza é extremo. Mas motivos para constrangimentos e desentendimentos não faltam e mostram como pode ser dura a vida de quem vive em comunidade. Em condomínios, vilas ou bairros com casas muito próximas umas das outras, parece haver, muitas vezes, uma tensão no ar capaz de transformar o mais cordial dos vizinhos em inimigo público número 1. A qualquer momento. Não à toa, há quem chame condomínios de condemônios! Separamos algumas dessas histórias que, de tão engraçadas, até parecem mentira. Mas poderiam acontecer logo aí, na porta ao lado.
Gato invasor
A moça mandou estofar um sofá de dois lugares, velho, para colocar na varanda, numa casa na Região Oceânica de Niterói. Como ela sai o dia inteiro, o gato da vizinha passa horas por lá. O estofado novo já está estragado, e é possível ver o caminho que o bichano fez pelo móvel, agora guardado num quartinho. Até porque, seu cheiro e pelos se entranharam na peça. A moça tentou conversar com a dona do gato e mandou recado pelos porteiros. Mas a resposta foi que não há como prender o bicho, que segue, dia sim, outro também, passeando pelas varandas vizinhas.
Juíza impedida
Galos cantam, como sabemos, ao raiar do dia. Mas, em Paracambi, havia um galo que preferia mostrar seu canto durante a madrugada. Talvez quisesse conquistar os insones, mas só o que conseguiu foi manter acordada toda a vizinhança, que em algumas noites incluía a juíza da cidade. Um dia, um vizinho mais irritado, resolveu entrar na Justiça contra o dono da ave. Ao receber a denúncia e ver o endereço do galináceo, a juíza Mônica Machado não teve dúvidas, só podia ser o mesmo animal que a perturbava. Honesta, ela se declarou suspeita para julgar o caso já que, por ela, tal ave já teria virado canja. O despacho da magistrada — que terminava com ela se oferecendo como testemunha caso a ação fosse adiante — ficou famoso e a história acabou com um final feliz. Em audiência de conciliação, o dono do galo aceitou transferir o animal para a área rural. A juíza nem precisou testemunhar. E os vizinhos dormiram felizes para sempre.
A manga é minha
A mangueira foi plantada na calçada a apenas 20 metros da propriedade ao lado, na Barra. Com o tempo, seus galhos foram crescendo em direção à casa do vizinho, que já teve o carro atingido, e amassado, pelas frutas, algumas vezes. O dono do carro, claro, reclamou. Mas ouviu como resposta que a culpa foi do vento e ficou por isso mesmo. Apesar disso, ele que não pense em comer uma das muitas mangas que caem do seu lado do terreno. O vizinho ranzinza passa o dia vigiando a árvore e não admite que ninguém pegue as mangas, nem mesmo quando as frutas estão no chão. Já chegou até a brigar com o jardineiro do vizinho que comeu uma fruta caída. Sua voracidade pelas mangas é tanta que, ao ver o pé carregado, ele colheu, uma a uma, mais de 100.
Barraco aquático
O ar-condicionado da moradora do segundo andar, que acabara de se mudar para o prédio em Santa Teresa, pingava. E atingia a varanda aberta da moradora do primeiro piso. Após algumas reclamações, a moça parou de ligar o aparelho, em pleno verão, enquanto tentava que a assistência técnica resolvesse o problema. Quando os técnicos apareceram, ela pôde enfim voltar a se refrescar e, durante duas semanas, não ouviu qualquer reclamação. Um dia, a vizinha do primeiro andar bateu em sua porta, dizendo, aos gritos, que se o ar continuasse pingando recolheria a água num balde e jogaria dentro da sua casa. A moça ainda tentou se desculpar, dizendo que não sabia que o aparelho continuava com problemas, mas a vizinha seguiu berrando corredor adentro.
Cão homônimo
Na província de Jilang, na China, Wang Sun e Hu Lin tornaram-se inimigos íntimos há seis anos, por causa de um pedaço de terreno na divisa de suas casas, do qual ambos julgavam ser proprietários. Um certo dia, Hu Lin comprou um cãozinho e deu a ele o nome de Wang. Sua diversão era xingar o cão, chamando-o pelo nome, sempre que o Wang humano estava por perto. O vizinho não gostou, nem aceitou a brincadeira e levou o caso à Justiça. Hu Lin acabou condenada e teve que pagar cerca de R$ 1.500 de indenização. A Justiça chinesa considerou que ela provocou “angústia mental” ao vizinho.
Árvore denunciada
Em Portland, nos Estados Unidos, no terreno de uma senhora de 83 anos, há uma grande árvore, que avança para o jardim de um jovem casal que mora ao lado. O casal, na verdade, não se importa. Pelo contrário, gosta da árvore. Algum vizinho, contudo, reclamou da árvore ao órgão municipal, que está recomendando que ela seja cortada. A vizinha acha que foi o casal que fez a denúncia e não perdoa os dois. Não desculpou nem mesmo depois de uma carta e um buquê de flores enviados por eles para tentar resolver a situação. O casal ainda tenta descobrir quem fez a tal denúncia. Espera, assim, recuperar a amizade da vizinha.
O ofurô é meu
Num prédio em fim de construção na Barra, um dos proprietários pediu a instalação de um ofurô. A construtora se enganou e fez a obra no apartamento ao lado. O vizinho beneficiado gostou da ideia e se recusou a devolver a peça. O outro exigiu. “Eu paguei, quero meu ofurô”. No fim, a construtora instalou a peça nos dois apartamentos e amargou o prejuízo pelo seu erro.
Síndico perpétuo
Há 53 anos (isso mesmo, 53!), o síndico comandava o condomínio em Petrópolis. Quando uma instituição social comprou parte do complexo e passou a ter direito a 60% dos votos (como previsto na convenção), quis impor uma nova síndica. Os outros condôminos brigaram e depois de cinco horas de assembleia, o síndico manteve o mandato. Um ano depois, contudo, foram derrotados na Justiça, e o síndico perdeu sua coroa.
Aleluia, condôminos!
Os condôminos tinham uma antipatia quase unânime pelo síndico do condomínio na Barra. Ele era até um bom gestor, mas a assembleia foi marcada para votar sua destituição. Quando terminou a contagem dos votos e a saída do síndico foi confirmada, duas condôminas se ajoelharam e agradeceram a Deus pela “graça”. O agora ex-síndico deixou a reunião cabisbaixo. Foi aplaudido.
Empatia, palavra-chave nas relações
Mas a questão é: vizinhos encrenqueiros, ranzinzas, intolerantes; como lidar com eles? E, ainda, como resolver essas questões sem chegar à Justiça, além de garantir a velha política da boa vizinhança?
Para Cristiane Salles, gerente da Protel Administradora, é preciso manter o bom senso:
— Respeito mútuo também é imprescindível para salvaguardar a harmonia da comunidade nos condomínios.
Já o advogado Hamilton Quirino defende a mediação como solução intermediária entre o bom senso perdido e a possibilidade de ação na Justiça. O trabalho é geralmente feito por um profissional, mas uma atitude simples pode até dispensar essa ajuda — a empatia:
— A base de qualquer conciliação é a empatia, é fazer um se colocar no lugar do outro. Quando isso é possível, o final quase sempre é feliz

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