RIO — O galo cantava, mas como não tinha noção da hora, escolhia o meio da
madrugada e irritava toda a vizinhança. A tal ponto que, quando a reclamação
chegou ao Fórum de Paracambi, a juíza se declarou suspeita para julgar o caso:
ela mesma perdia o sono por conta do galináceo e, como escreveu no despacho, se
pudesse já o teria transformado em canja. O caso envolvendo uma juíza é extremo.
Mas motivos para constrangimentos e desentendimentos não faltam e mostram como
pode ser dura a vida de quem vive em comunidade. Em condomínios, vilas ou
bairros com casas muito próximas umas das outras, parece haver, muitas vezes,
uma tensão no ar capaz de transformar o mais cordial dos vizinhos em inimigo
público número 1. A qualquer momento. Não à toa, há quem chame condomínios de
condemônios! Separamos algumas dessas histórias que, de tão engraçadas, até
parecem mentira. Mas poderiam acontecer logo aí, na porta ao lado.
Gato invasor
A moça mandou estofar um sofá de dois lugares, velho, para colocar na
varanda, numa casa na Região Oceânica de Niterói. Como ela sai o dia inteiro, o
gato da vizinha passa horas por lá. O estofado novo já está estragado, e é
possível ver o caminho que o bichano fez pelo móvel, agora guardado num
quartinho. Até porque, seu cheiro e pelos se entranharam na peça. A moça tentou
conversar com a dona do gato e mandou recado pelos porteiros. Mas a resposta foi
que não há como prender o bicho, que segue, dia sim, outro também, passeando
pelas varandas vizinhas.
Juíza impedida
Galos cantam, como sabemos, ao raiar do dia. Mas, em Paracambi, havia um galo
que preferia mostrar seu canto durante a madrugada. Talvez quisesse conquistar
os insones, mas só o que conseguiu foi manter acordada toda a vizinhança, que em
algumas noites incluía a juíza da cidade. Um dia, um vizinho mais irritado,
resolveu entrar na Justiça contra o dono da ave. Ao receber a denúncia e ver o
endereço do galináceo, a juíza Mônica Machado não teve dúvidas, só podia ser o
mesmo animal que a perturbava. Honesta, ela se declarou suspeita para julgar o
caso já que, por ela, tal ave já teria virado canja. O despacho da magistrada —
que terminava com ela se oferecendo como testemunha caso a ação fosse adiante —
ficou famoso e a história acabou com um final feliz. Em audiência de
conciliação, o dono do galo aceitou transferir o animal para a área rural. A
juíza nem precisou testemunhar. E os vizinhos dormiram felizes para sempre.
A manga é minha
A mangueira foi plantada na calçada a apenas 20 metros da propriedade ao
lado, na Barra. Com o tempo, seus galhos foram crescendo em direção à casa do
vizinho, que já teve o carro atingido, e amassado, pelas frutas, algumas vezes.
O dono do carro, claro, reclamou. Mas ouviu como resposta que a culpa foi do
vento e ficou por isso mesmo. Apesar disso, ele que não pense em comer uma das
muitas mangas que caem do seu lado do terreno. O vizinho ranzinza passa o dia
vigiando a árvore e não admite que ninguém pegue as mangas, nem mesmo quando as
frutas estão no chão. Já chegou até a brigar com o jardineiro do vizinho que
comeu uma fruta caída. Sua voracidade pelas mangas é tanta que, ao ver o pé
carregado, ele colheu, uma a uma, mais de 100.
Barraco aquático
O ar-condicionado da moradora do segundo andar, que acabara de se mudar para
o prédio em Santa Teresa, pingava. E atingia a varanda aberta da moradora do
primeiro piso. Após algumas reclamações, a moça parou de ligar o aparelho, em
pleno verão, enquanto tentava que a assistência técnica resolvesse o problema.
Quando os técnicos apareceram, ela pôde enfim voltar a se refrescar e, durante
duas semanas, não ouviu qualquer reclamação. Um dia, a vizinha do primeiro andar
bateu em sua porta, dizendo, aos gritos, que se o ar continuasse pingando
recolheria a água num balde e jogaria dentro da sua casa. A moça ainda tentou se
desculpar, dizendo que não sabia que o aparelho continuava com problemas, mas a
vizinha seguiu berrando corredor adentro.
Cão homônimo
Na província de Jilang, na China, Wang Sun e Hu Lin tornaram-se inimigos
íntimos há seis anos, por causa de um pedaço de terreno na divisa de suas casas,
do qual ambos julgavam ser proprietários. Um certo dia, Hu Lin comprou um
cãozinho e deu a ele o nome de Wang. Sua diversão era xingar o cão, chamando-o
pelo nome, sempre que o Wang humano estava por perto. O vizinho não gostou, nem
aceitou a brincadeira e levou o caso à Justiça. Hu Lin acabou condenada e teve
que pagar cerca de R$ 1.500 de indenização. A Justiça chinesa considerou que ela
provocou “angústia mental” ao vizinho.
Árvore denunciada
Em Portland, nos Estados Unidos, no terreno de uma senhora de 83 anos, há uma
grande árvore, que avança para o jardim de um jovem casal que mora ao lado. O
casal, na verdade, não se importa. Pelo contrário, gosta da árvore. Algum
vizinho, contudo, reclamou da árvore ao órgão municipal, que está recomendando
que ela seja cortada. A vizinha acha que foi o casal que fez a denúncia e não
perdoa os dois. Não desculpou nem mesmo depois de uma carta e um buquê de flores
enviados por eles para tentar resolver a situação. O casal ainda tenta descobrir
quem fez a tal denúncia. Espera, assim, recuperar a amizade da vizinha.
O ofurô é meu
Num prédio em fim de construção na Barra, um dos proprietários pediu a
instalação de um ofurô. A construtora se enganou e fez a obra no apartamento ao
lado. O vizinho beneficiado gostou da ideia e se recusou a devolver a peça. O
outro exigiu. “Eu paguei, quero meu ofurô”. No fim, a construtora instalou a
peça nos dois apartamentos e amargou o prejuízo pelo seu erro.
Síndico perpétuo
Há 53 anos (isso mesmo, 53!), o síndico comandava o condomínio em Petrópolis.
Quando uma instituição social comprou parte do complexo e passou a ter direito a
60% dos votos (como previsto na convenção), quis impor uma nova síndica. Os
outros condôminos brigaram e depois de cinco horas de assembleia, o síndico
manteve o mandato. Um ano depois, contudo, foram derrotados na Justiça, e o
síndico perdeu sua coroa.
Aleluia, condôminos!
Os condôminos tinham uma antipatia quase unânime pelo síndico do condomínio
na Barra. Ele era até um bom gestor, mas a assembleia foi marcada para votar sua
destituição. Quando terminou a contagem dos votos e a saída do síndico foi
confirmada, duas condôminas se ajoelharam e agradeceram a Deus pela “graça”. O
agora ex-síndico deixou a reunião cabisbaixo. Foi aplaudido.
Empatia, palavra-chave nas relações
Mas a questão é: vizinhos encrenqueiros, ranzinzas, intolerantes; como lidar
com eles? E, ainda, como resolver essas questões sem chegar à Justiça, além de
garantir a velha política da boa vizinhança?
Para Cristiane Salles, gerente da Protel Administradora, é preciso manter o
bom senso:
— Respeito mútuo também é imprescindível para salvaguardar a harmonia da
comunidade nos condomínios.
Já o advogado Hamilton Quirino defende a mediação como solução intermediária
entre o bom senso perdido e a possibilidade de ação na Justiça. O trabalho é
geralmente feito por um profissional, mas uma atitude simples pode até dispensar
essa ajuda — a empatia:
— A base de qualquer conciliação é a empatia, é fazer um se colocar no lugar
do outro. Quando isso é possível, o final quase sempre é feliz